A HITÓRIA
A Brasília
foi um dos primeiros Volkswagen a ser projetado e construído fora da
matriz alemã, sendo o também brasileiro SP2 o primeiro. No outono de
1970, o então presidente da Volkswagen do Brasil, Rudolph Leiding,
inspirado pelo SP2, desafiou os engenheiros da marca a produzir uma nova
versão do Fusca, porém adaptado ao mercado nacional. Além do Sedan, a
perua Kombi e o esportivo Karmann-Ghia foram os únicos VW de motor
refrigerado ar que alcançaram sucesso. Modelos como o TL, o 1600
quatro-portas “Zé-do-Caixão” e o Karmann-Ghia TC tiveram vida curta. A
única variação desta família, de relativo sucesso, foi a perua Variant.
Irrompendo no departamento de estilo da fábrica em direção à mesa de
Marcio Piancastrelli, chefe de design, Leiding foi objetivo. Pediu a
Piancastrelli um carro que fosse pequeno por fora, grande por dentro e
tivesse uma grande área envidraçada. O modelo deveria oferecer mais
espaço, utilizar a mesma mecânica, porém deveria parecer mais
contemporâneo. E, para não deixar dúvidas, depois de rabiscar a lápis a
inconfundível silhueta de um Fusca, delineou com uma caneta vermelha uma
outra figura sobre a do Sedan. O desenho tosco mostrava um carro de
linhas retas, com um teto que terminava com um corte brusco na traseira
"Praticamente um furgão", disse Piancastrelli, hoje com 73 anos.
Com
um lápis e uma folha na mão, Piancastelli começou a traçar o carro com
base no modelo do Fusca. De início, a plataforma cogitada foi a do
próprio Fusca, mas foi deixada de lado por ser estreita demais. A base
passou então a ser o chassi do Karmann Ghia. “Ganhamos largura”, lembra o
ex-estilista. Do início ao fim, foram mais de quarenta tentativas até
chegar ao esboço final.
Depois de pronto o projeto no papel, o
segundo passo: construir o modelo de arame rígido e amarra-lo em uma
espécie de gaiola para obter a visualização do espaço e das proporções
da parte de dentro do veículo. Por fim, o revestimento com gesso e a
pintura com tinta automotiva. “Tínhamos de montar tudo: banco, painel.
Foi um trabalho de co-produção”. E, mesmo assim, o responsável por
chefiar o projeto não quer nem ouvir falar em título de inventor da
Brasília: “Não foi uma invenção porque foi feito em cima de um modelo de
Fusca como, por exemplo, o motor traseiro”.
Em três meses ficou
pronto um modelo na escala 1:1. Finalmente, foi adotada uma solução
intermediária de chassi (entre Fusca e Karmann-Ghia) e concepção
própria, e o projeto seguiu em ritmo acelerado. O objetivo era aprontar o
carro a tempo de dividir as atenções que estariam voltadas para um
compacto da GM, cujo lançamento se aproximava.
Após uma série de
protótipos, finalmente Márcio Piancastelli e José Vicente Martins
apresentaram o conceito do que seria o modelo final. Semelhante a uma
"mini-Variant", com uma versão modernizada da dianteira desse veículo,
tinha a mesma distância entre-eixos do Fusca, porém com maior espaço
interno, ampla área frontal envidraçada, satisfatório porta-malas
dianteiro e uma prática tampa hatchback para o porta-malas traseiro. O
design retilíneo da carroceria, com linhas suaves e equilibradas, foi
inovador na época. Esta característica privilegiava um amplo espaço
interno para os passageiros, algo difícil de encontrar na época em
carros do seu segmento.
Quando este modelo alcançou a fase de
testes, um repórter conseguiu fotografar alguns modelos em ruas próximas
à fábrica. Os seguranças tentaram afastá-lo e, quando falharam,
decidiram atirar contra seu carro. O incidente causou alguma comoção na
imprensa nacional, levando a Volkswagen a se desculpar publicamente.
Entretanto, a notícia alavancou a venda da revista Quatro Rodas que
comprou as fotos do então repórter free-lancer Cláudio Larangeira, que
logo depois seria contratado pela editora Abril. Até então, quando era
descoberto nas estradas do país fazendo os últimos acertos, a imprensa
tratava-o como "miniperua VW", "míni-Variant" e "anti-Chevette". Mas a
Brasília tinha linhas mais modernas e retas que as da Variant e ampla
área envidraçada, resultando numa ótima visibilidade em todas as
direções. A rivalidade com a GM ficava evidente na declaração de um
diretor de vendas da Volkswagen: "Ninguém sabe como nós trabalhamos para
fazer coincidir seu lançamento com o do Chevette".
Leiding, já
como chefão da VW mundial, veio ao Brasil para o lançamento de sua cria.
E viu seus pleitos plenamente atendidos. O novo veículo foi
oficialmente apresentado ao público em Junho de 1973, apenas um mês
depois do lançamento de seu principal concorrente, o Chevrolet Chevette.
Esse foi um ano de grandes lançamentos da indústria automobilística
brasileira: além da Brasília e do Chevette, chegaram o Dodge 1800 da
Chrysler e o Maverick da Ford.
A Brasília media 4,01 metros de
comprimento -- 17 cm menos que o Fusca. A distância entre eixos era a
mesma de toda a linha. Seguia a tendência européia de carros urbanos,
fácil de manobrar e ágil no trânsito. Ficou conhecido por muitos como
"a" Brasília, em função de uma estratégia comercial da marca. Como havia
uma terceira porta, a Volkswagen o classificou como perua para que
recebesse a menor incidência de impostos atribuída na época a
utilitários. Apesar da artimanha, a Brasília era um automóvel
dois-volumes hatchback como o Fiat 147 e o Gol.
Na frente se
destacavam os quatro faróis redondos (com quatro fachos altos e dois
baixos) e as luzes direcionais embutidas no pára-choque, de lâmina
cromada. Visto de lado, o conjunto era harmonioso e equilibrado. Abaixo
do grande vidro lateral traseiro ficavam as entradas de ar para a
refrigeração do motor. Na traseira, abaixo do pára-choque, uma pequena
grade escondia o silenciador de saída única direcionada para a esquerda.
Comportava
com conforto quatro passageiros ou mesmo cinco, e esse logo se tornou
seu ponto forte. Mas o espaço para as malas não era bom. A bagagem só
podia ficar alojada no compartimento dianteiro, pois não havia o segundo
porta-malas atrás do encosto do banco traseiro, que o Fusca trazia
desde sua concepção em 1934. Era possível colocar alguma bagagem sobre a
tampa do motor, mas isso representava risco em caso de freada brusca ou
colisão dianteira. O estepe ficava no porta-malas. O bagageiro no teto,
que virou até moda na época, era uma alternativa para aumentar a
capacidade de carga.
Diferente do Fusca (que na época era vendido
com motorizações de 1300 ou 1500 cm3), a Brasília era oferecido somente
com motor 1600 cm3, assim como o VW 1600 - apelidado de "Zé do Caixão" -
e a Variant. Na época surpreendeu a decisão da fábrica em adotar a
turbina de refrigeração alta, de fluxo radial, em vez da baixa, fixada
diretamente no virabrequim e de fluxo axial da Variant, que poderia ter
criado um porta-malas traseiro. A decisão deveu-se à redução de custos e
à intenção de tornar o veículo o mais curto possível, já que o motor de
construção plana era mais comprido que o de disposição tradicional.
No
ano de seu lançamento, 1973, o motor 1,6 litros da Brasília era
alimentado por um único carburador modelo Solex 30, gerando 60 cv brutos
de potência, transmitida às rodas traseiras. Muitos motoristas, porém,
exigiam melhor desempenho e economia da Brasília. A resposta da
Volkswagen foi o lançamento do motor 1,6 litros alimentado por dois
carburadores modelo Solex 32, no ano de 1976. O carro agora tinha 65 cv
brutos de potência (48 líquidos), com mais torque e economia de
combustível. Pelo sucesso alcançado, esta viria a ser a motorização
predominante do Brasília nos anos seguintes de produção. Afinal, a
exemplo do Fusca e outros VW "tudo atrás", a colocação do motor junto às
rodas motrizes fazia milagres em percursos fora de estrada e em subidas
escorregadias, garantindo aderência e tração. E era econômico: fazia
até 14 km/l.
Como o Fusca, era barulhento para os ocupantes. Com
um carburador já era difícil conversar em médias e altas velocidades e,
quando passou a ter dois, ficou ainda pior. Em modelos de melhor
acabamento houve uma tentativa de melhorar o isolamento acústico
interno, mas que não resolveu completamente o problema.
Mesmo com
pneus diagonais 5.90-14, a estabilidade em curvas era razoável, mas a
traseira ainda escapava naquelas contornadas mais rapidamente, ainda que
com previsibilidade. Vários proprietários na época optaram por colocar
pneus radiais 175/80-14 e rebaixar a suspensão do carro, o que melhorava
o comportamento, enquanto outros partiam para rodas de alumínio de 13
pol. com pneus 185/70-13.
A Brasília tinha chassi-plataforma
específico (que seria utilizado pelo Puma), mais largo, o mesmo
ocorrendo com as bitolas, explicando o comportamento melhor em relação
ao Fusca. Outro melhoramento, aplicado a toda a linha a ar, foi a barra
compensadora traseira que, por sua ação oposta à da barra estabilizadora
tradicional, diminuía a saída de traseira (sobresterço).
Arrancando
forte numa pista reta com seus concorrentes diretos -- o Chevette e o
Dodge 1800 --, a Brasília conseguia ficar emparelhada de início, em
função do bom torque em baixa rotação e datração superior, mas quando a
terceira marcha era engatada a traseira dos dois sedãs já era vista pelo
pára-brisa. Fazia de 0 a 100 km/h em 23 s e chegava a uma velocidade
final de 132 km/h. Pouco, mas dentro do contexto de utilização da época.
A
Brasília agradou muito ao público e suas vendas logo de início foram
boas. Comprar e levar na hora, só pagando acima do preço de tabela, o
chamado ágio. Em 1975 foram produzidas 126 mil unidades. Fazia sucesso
entre jovens e famílias.
No ano de 1980 foi lançada uma versão
com motor 1,3 litros e potência líquida de 49 cv, exclusiva, porém, dos
veículos movidos a álcool. Mesmo com a maior taxa de compressão admitida
pelo combustível, este motor na Brasília apresentava baixo desempenho e
alto consumo, o que fez com que a versão movida a álcool foi um
fracasso de vendas, permanecendo o motor 1,6 litros a gasolina como o
mais procurado.
As primeiras versões da Brasília possuíam
acabamento interno com materiais simples, porém bem feito. O painel teve
inspiração no antigo Fissore, projetado pela DKW em meados dos anos 60,
marca absorvida pela VW em 1966. Nele havia velocímetro, marcador de
nível de combustível e opcionalmente um relógio. O volante era grande,
de 40 cm de diâmetro, e na tampa do cinzeiro havia a indicação da
posição das marchas, tornada obrigatória pelo Conselho Nacional de
Trânsito (Contran). Apenas em 1977 surgiria pela primeira vez a opção de
um revestimento interno mais luxuoso e confortável, chamado de
acabamento monocromático. Este acabamento era disponível nas cores preto
e marrom, combinando teto, revestimentos laterais, piso e bancos em
degradê de uma mesma cor. O piso das versões monocromáticas era de
material acarpetado.
Quando a crise do petróleo começou a dominar
o mundo, todas as fábricas buscaram soluções para tornar seus carros
mais econômicos. Um acelerador de duplo estágio (como no DKW-Vemag)
passou a equipar o Brasília em 1977 – dizia-se que era bom para gerar
dormência e câimbras no pé direito, de tão duro... Mas foi um recurso de
custo muito reduzido que a VW empregou para alcançar alguma economia,
pois levava o motorista a pisar menos fundo. Se a mola não se soltava
por desgaste, porém, muitos a retiravam. Não agradou e nunca funcionou
muito bem.
Em 1978 era feito o primeiro face-lift na trajetória
do Brasília. As mudanças, porém, foram discretas. Os finos pára-choques
de cantos arredondados passaram a ser mais robustos com cantoneiras
plásticas de formato retangular. O capô dianteiro ganhava dois vincos
longitudinais estampados e as lanternas traseiras recebiam uma nova
superfície plástica estriada, semelhantes a dos veículos Mercedes-Benz.
No entanto, alguns pontos falhos da estética, como a grade metálica que
cobria o silencioso do escapamento na parte traseira do veículo,
permaneciam inalterados.
Em 1979 surgiu a versão LS, a de maior
luxo na história da Brasília, oferecendo apoios de cabeça nos bancos
dianteiros e de detalhes de acabamento externos exclusivos, como frisos
laterais, apliques emborrachados nas lâminas dos pára-choques e novas
cores metálicas. Também foram oferecidos equipamentos extras, como
desembaçador elétrico do vidro traseiro, relógio e vacuômetro, este para
ajudar o motorista a economizar combustível em uma época de postos
fechados nos fins de semana e velocidade máxima de 80 km/h em rodovias.
4 PORTAS
Houve
também uma versão de quatro portas (ou “cinco portas”, pois na Europa
conta-se a porta traseira), que foi o primeiro “hatchback” genuíno
nacional com essa configuração. Mesmo sendo produzido no Brasil e
exportado para países como Filipinas, Nigéria (chamado, neste país, de
Volkswagen Igala) e para América do Sul e Europa (Portugal) desde 1974,
esse modelo só passou a ser comercializado no mercado nacional a partir
de agosto de 1978, já como modelo 1979. O tamanho era idêntico ao da
versão de três portas. Com uma terceira janela na lateral, agradou mais
aos taxistas do que às famílias: o injustificável gosto brasileiro pelos
carros de duas e três portas, na época, prevaleceu. Dados oficiais
indicam que foram produzidas cerca de 14 mil unidades do modelo quatro
portas (pouco mais de 1% da produção total da Brasília). O México foi o
único país além do Brasil a fabricar a Brasília, mas somente na versão
de duas portas.
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